Monday, April 09, 2012

Belo/experiência compartilhável

A experiência do Belo é meramente contemplativa, não se sabe se aquele objeto vai te dar prazer ou não. É sem garantia, o único juiz é você mesmo. É uma experiência gerada pelo favor, ou seja, o sujeito é surpreendido, se deixa ser surpreendido. A fruição desinteressada não é possível para uma pessoa que diz “ eu não gosto de…”, esta é um tipo de postura racional que define o que é bom e o que não é bom a priori e a pessoa acaba se fechando e não se permitindo mais viver a experiência do belo. Desinteresse não é apatia, é supremo esforço, é predisposição. Para Heidegger a experiência do belo é quando o acontecimento acontece. É uma experiência subjetiva, pessoal e intransferível, ao mesmo tempo, me leva, por algum motivo a pressupor que outro sujeito sensível como eu pode sentir o que eu senti. É um movimento de compartilhamento. A pretensão da “universalidade subjetiva” que acontece na experiência estética do belo.

Pode haver consenso a respeito do agradável, mas acerca deste Kant diz, “cada um tem o seu próprio gosto” (dos sentidos). Portanto na esfera do que é agradável existe uma ausência de pretensão de universalidade. O gosto é privado, algo “me é agradável”.

Já quando a gente valoriza algo como belo, a gente considera que será um consenso. O belo, portanto tem uma pretensão de universalidade, que não é fundada sobre conceitos ou razões. Já o que seria bom, ou seja o gosto da reflexão, tem a pretensão da universalidade fundada sobre conceitos ou razões. Eu poderia dizer que algo é bom tecnicamente sem juízo de gosto. Neste caso seria um juízo de conhecimento, pois eu tenho o conceito prévio do que é “bom”. Exemplos de juízos neste caso: “é um filme bem feito”, “é um vinho correto”, “foi feito com dinheiro honesto”… É como se o prazer que eu sentisse fosse uma “satisfação pequenininha”. Uma pessoa pergunta “ Você gostou?” e a outra responde: “é bom”, ela não diz se gostou ou não.

Kant afirma que o belo é universal. Tem a pretensão de universalidade contínua, baseada em sentimento autêntico. Se eu gosto, o outro também pode gostar. Qual a razão desta teimosia? Qual o fundamento deste valor? O artista se expõe buscando algum tipo de compartilhamento ( mesmo sabendo do risco de ser rechaçado ). Qual o papel da crítica de arte dentro disto? Para Walter Benjamin, o papel do crítico é pegar o campo primário aberto pelo artista e a partir dele abrir novos campos, ou seja, potencializar a infinitude de traduções presentes no objeto artístico. Mas isto é outro assunto,voltemos.

Pode-se dizer muitas coisas sobre uma obra de arte que o sujeito considera bela, a fim de compartilhar este prazer, mas nunca será possível recompor o fato estético. Pode-se falar da organização do quadro, da tez, da inteligência sensível do pintor em discernir o limite da cor, construir toda uma gramática da cor e da forma ou se tentar descrever a performance de uma bailarina como leve, precisa, afinada, emotiva… A experiência do belo é singular, insubstituível, irreproduzível, irredutível. Segundo Kant nenhum juízo é capaz de explicar o belo. É um prazer que não é puramente racional é algo que te toca.

A experiência do Belo envolve um componente inalienável de sensibilidade, não há conceitos, sustentáveis por quaisquer ponderações, que, sem a fruição subjetiva do objeto, possam realmente convencer de que algo é belo. Não se trata de postular coisas.

Daí o paradoxo: como pode um juízo pretender-se universal sem poder resolver-se na esfera conceitual? Por ser uma experiência subjetiva que se dá a partir de um prazer desinteressado e livre, ou seja, sem condições pré-determinadas, o sujeito tende a tomar o juízo de gosto como objetivo ou passível de universalização; “ se eu gosto, porque o outro não vai gostar? ”. Isto seria a primeira explicação de Kant para este paradoxo.

No entanto, Kant vai além na sua explicação. Ele descreve um livre jogo entre as faculdades da imaginação e do entendimento e associa esta pretensão de universalidade que caracteriza o ajuizamento do belo a uma experiência de acordo entre essas duas faculdades. A imaginação, como foi descrito na questão anterior, é a capacidade de pegar o múltiplo sensível e transformar em imagens e, no caso da experiência do belo, a imaginação “namora” com o entendimento.

O que motiva o ajuizamento do objeto como belo, portanto, não diz exatamente respeito ao seu conhecimento, à sua nomeação, definição ou conceituação, mas a uma experiência ao mesmo tempo sensível e reflexiva desse acordo entre as faculdades. O objeto belo seria aquele capaz de fornecer ao sujeito uma experiência do seu próprio caráter de sujeito transcendental, isto é, de lugar onde a coisa em si ,transcendente, se torna fenômeno,onde adquire sentido. Experimenta-se um prazer, um “encanto”, diante do fato de ser ( de “aparecer” ) aquilo que poderia não ser. É o prazer diante do milagre da passagem do não ser ao ser, do não sentido ao sentido, prazer diante da possibilidade de um mundo, tal e qual nós, humanos, o experimentamos.

O sujeito é uma máquina que organiza fluxo de informações. As faculdades do entendimento e da sensibilidade se encontram na imaginação. Tudo o que eu vejo é pre-organizado por esta coisa misteriosa que é a imaginação. O mundo é percebido como um conjunto de massa, cores, formas, sensações, sentimentos, percepções espaço temporais, etc… e, num segundo momento é organizado pelo entendimento. Assim seria o funcionamento das faculdades, uma teia de relações. Na experiência cognitiva ordinária – o que entrou pela minha retina, por exemplo: cor marrom,massa “x”,meu entendimento falou “cadeira” ao lado de outras “cadeiras”, “hora tal”,entendo que é uma “aula”. A imagem= conjunto múltiplo da sensibilidade (bild ) se oferece ao entendimento e o que se produz a partir daí é conhecimento. No entanto, às vezes, algo nesta “ imagem” quebra este fluxo e o múltiplo de sensibilidade não consegue entender. Por exemplo, diante de uma Chaise longue Le Corbusier, é uma forma que se quebra, continua servindo para sentar, mas tem mais alguma coisa aí. Quando esta quebra acontece, a experiência sensível reflexiva se dá.

Se você entende, o que se dá é uma experiência com juízo de conhecimento. Na experiência com juízo de gosto, o meu entendimento não consegue me dizer porque eu tô sentindo aquilo… Existe uma demora que vai levar à experiência que é essencialmente contemplativa… A imaginação é uma faculdade misteriosa sem a qual nada seria possível. Na experiência estética existe um livre jogo entre as faculdades. Na experiência cognitiva existe um acordo.

O que se dá no ser humano é: a retina apreende, em seguida o entendimento entende, em seguida o conhecimento se dá. Existe uma interação entre as faculdades que opera o tempo todo. São impressões sensíveis organizadas como um mundo. É na experiência cognitiva ordinária que eu tomo conhecimento de um mundo ordenado.

No entanto, sob o efeito de um LSD, por exemplo, eu tenho uma experiência extra-ordinária, isto seria um “alterar das faculdades”, uma subversão da experiência cognitiva no mundo. São os alteradores de consciência.

Na experiência estética não há química. O entendimento olha pra este feixe e diz “isto não é uma cadeira” tem algo que desafia que diz “ não é só isto “. A experiência estética se dá. É um plus, um indecifrável, que alojado dentro desta massa recusa uma captura imediata do conhecimento. O ajuizamento do belo é uma experiência sensível reflexiva, contemplativa, é uma quebra do fluxo ordinário… A imaginação e o entendimento começam a “namorar”, ficam “enfeitiçadas”, é um livre jogo, um acordo que só se dá no seu afã de realizar-se… O objeto (ou evento ou conjunto de notas, de gestos…) ao impregnar o sujeito é transformado numa imagem e produz esta espécie de namoro enigmático com o entendimento. Na experiência estética o entendimento não consegue reduzir a imagem. Inaugura naquele momento uma outra relação do sujeito consigo mesmo, do sujeito com um mundo que nele se faz mundo.

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