Saturday, June 06, 2015

Cavalos e personagens que viram luz

Está tudo bem aqui no alto da montanha
onde respiro e medito pelas manhãs com a cortina ligeiramente aberta
Afastando o sonho de um beijo gay com batom na novela
Afastando o assombro da boca da atriz que eu queria ser e tenho admiração e ciúme
onde no set você não veio falar comigo e no fim da gravação
não deu notícia ao chegar em casa
e eu vi na TV que tinha um amigo oculto da peça que você trabalhou
e realizei no sonho que não te acompanhava mais.

Saio na rua de personagem
Mudando o lugar onde ponho o peso dos meus pés
Encontro um amigo da peça que você trabalhou
Ele carrega um bebê de olhos azuis na barriga e diz que gosta da sensação
me elogia mesmo estando na personagem que é um pouco louca
A moça da loja chama atenção pro meu batom na bochecha dele,
ele ri,diz que vai dizer para sua esposa de quem foi o beijo.
É a personagem que usa este batom.

É uma outra personagem também
que acorda animada
pra fazer um molho agridoce de maçã
De repente todos os gostos que você não curtia voltam como uma espécie de tratamento de cura dos meus sentidos.

Outro dia comi uma pot pie de aspargos frescos
e numa festa uma sopa de abóbora
Almocei nhoque com queijo de cabra
E fiquei até com água na boca quando alguém falou em raviolis de pêra

Me privei destes gostos pra te fazer feliz
Mas a felicidade do outro não parte de nós
E isto eu ainda não aprendi.

Vi um prego vazio na parede e fui mexer na caixa sem destino
Escrevi uma casa sem destino
Sem destino porque você insiste em não dizer pra onde enviar...
Peguei de volta o quadro que sua amiga pintou pra gente,
tentei relevar,
botei no prego vazio onde antes tinha um anjo que eu não sabia a procedência e respeitava.

A casa era nossa.

Ontem resolvi que ia começar renovando pelo jardim
Eu sempre me refugio na vida das plantas
porque me faz bem imaginar flores,frutos,passarinhos e borboletas
penso muito num tapete branco para mudar a cara do nosso quarto
e trouxe um edredon de solteiro para me cobrir.

Não tenho forças para mudar os (i)móveis sozinha.
Planejo e saio.
Tirei as capas dos sofás e a minha filha lembrou dos seus primeiros anos
Tudo volta a ser como era antes.
O Trovão foi embora
e com ele suas músicas e palhaçadas.
A tempestade passou e com ela também a alegria e a loucura.

Te vejo deitado no sofá branco
Te vejo no chão de mármore azul do banheiro
Te vejo no reflexo da porta do forno da cozinha
Te vejo no cinzeiro vazio da varanda
Na diluição de uma paranóia na água da piscina
e na cor dourada do ladrilho hidráulico do banheiro do alto com janela pra favela
Me banho no seu corpo
Seu espírito mora aqui
E por mais que eu trabalhe outros personagens ele toma o meu cavalo.

E quando tiro da caixa sem destino um presente que te dei pelos nossos 2 anos juntos
pensando em talvez aproveitar a moldura e mudar o conteúdo
Me deparo com nossas caras serenas

E ali tropeço. e começo a cair da montanha
começo a cair de amor
vejo amor na gente
 e caio
caio
caio
desabo pelo céu de arco-íris
Corto a suspensão da descrença
em queda livre na realidade da sua ausência
e do nosso fim.

E te vejo bem
fazendo o personagem
Ele toma o seu cavalo
e você luta.

A minha personagem acordou pensando em dançar forró
na festa junina da
Praça Tiradentes,mas...
...lá tem uma estátua e
a minha personagem chora
e quase morre enforcada nas flores
refletida encolhida nas águas da geladeira que você tanto queria
Ofélia não sabe viver sem Hamlet.
A minha personagem não sabe viver sem acreditar no amor.

E depois de você este tipo de amor acabou.
Eu não sou mais eu.
(Será que foi a falta do remédio?)

O nosso amor nasceu junto com o tumor do cérebro da nossa diretora
Que também foi Ofélia e morreu linda nos palcos do mundo... 
Ela tirou o tumor
Eu me separei do pai da minha filha
Você sonhou uma vida compartilhada
Vimos uma água viva gigante longe da água respirando
Será que ela morreu?
Por que a gente não ajudou aquela água viva?

O tumor da nossa diretora, que fazia o personagem que tinha nascido do cérebro de Zeus,
Este tumor se regenerou
E ela enfraqueceu de novo
E depois do nosso primeiro ano de idílio
Fomos atingidos por uma máquina tão poderosa
uma espécie de globo
que calou sua maior paixão numa assinatura de papel
fazendo da nossa casa uma ágora de incompreensões sobre o que estávamos vivendo.

Agamênon matou Ifigênia,sua própria filha,encerrando a dança.
Ganhou a guerra com um cavalo de mentira
Ao voltar, foi morto por sua própria mulher
Que alegou desmedida em seu orgulho.

Electra sentiu a dor junto com seu pai e foi reencontrar o irmão
Ela e o irmão mataram a mãe
E se responsabilizaram por isto.

O ator não quis a responsabilidade.
Não quis acampar com a filha de outro.
Não gostou de olhar pro violão.
Desistiu da natureza estrangeira.
Se recolheu noutras praias.

Seu cavalo foi tomado por mais um personagem que viveu sem afeto
e ele cantou.
o piano tocou.
As madrugadas viveram.
Fora do personagem ele tinha muito afeto vindo de muitas partes
Fora do personagem ele tinha um lar e uma zona de conforto
Uma mãe muito presente
e muitas visitas que traziam presentes.

A filha de Zeus perdeu a força das pernas e aceitou com relutância a invenção da roda
Cassandra não viu coisa boa na invenção do fogo
Jovem e longe de si disse ao Corifeu que a morte se aproximava

O sol brilhou mais uma vez
O amor se tornou eterno
A semente do mal não foi queimada
A luz chegou a alguns corações
E resplandeceu na Lagoa da cidade partida

Não há justiça.

O cavalo de Cassandra foi tomado por uma personagem que antes de morrer de câncer
estudava a cura deste mal
O cavalo de Agamênon foi tomado por um marido companheiro até o fim.
A diretora que também era atriz
também chegou a pensar que o amor do pai do seu filho não estava valendo a pena
Mas diante do tumor
O amor reinou
e a felicidade luziu na Baía de Guanabara,
lavando nossas almas em orgasmos pérolas escondidas.

Lá na Escócia,onde o céu é muito azul,um autor escreveu esta peça.
Lá na Espanha,onde Cervantes inspirou os primeiros românticos,
outra diretora domou os cavalos amantes e os fez trabalharem juntos
Ali o amor também reinava
E refletia a realidade ficcionalizada de Botafogo via skype para espectadores em Nova Iorque
O ator disse feliz à atriz "eu tô gostando disto aqui" e sorriu com gosto de manga conservada na adega de vinho sob a escada.
O ator vestiu as botas de roqueiro e brilhou com as forças de Baco!

Eles tomaram champagnhe no shopping
e compraram lindas roupas para se proteger do inverno que viria
Celebraram juntos seus espíritos com picnic no parque onde a travessa era de louça
Sentiram-se portugueses descobrindo o Brasil,
italianos chegando no porto de Santos,cariocas hippies cantando em roda a grande cidade.
Seus cabelos ainda estavam curtos.
Seus pais de partidos opostos se conheceram e eles puderam brincar de Romeu e Julieta,
de pique-esconde e de pintura viva na companhia de suas famílias e amigos.
Em algum momento uma criança se perdeu e os pais dela se desesperaram
Mas logo ela apareceu, feliz por ter experimentado a liberdade de ser um indivíduo solto no mundo.

O cavalo do ator começou a pensar e falou para a égua que com ela não queria mais trabalhar.
O cavalo da atriz foi tomado por uma personagem apática.
A égua enfraqueceu,ficou prática.
O cavalo se manteve forte como pôde,foi buscar ração em outras origens
e passou a rejeitar a cada vez mais linda égua.
O tumor está matando Atená
mas a diretora ganhou prêmios
e fez lindos trabalhos com a elegância do seu pensamento em prática.

Se inventassem a máquina do tempo
Me tornaria Afrodite
e traria você de volta
Me tornaria Gaia e
Espumaria o mar de tesão
Recriaria Homero
Me tornaria poiésis
E escreveria tudo de novo,
de outra forma.

Você me olha na fotografia 3X4,
que por ser mera impressão
só faz meu coração murchar de saudade.