Monday, May 18, 2015

---Levanta a cabeça. Se olha. E se eu morrer amanhã?De susto,de bala ou  
vício. De bala,de bala, de bala...um medo tão grande da loucura  
humana,uma falta de discernimento total entre o que é dedução e o que  
é imaginação.Porque me imagino morrendo todos os dias.Tenho medo todos  
os dias.Hoje,isto é hoje.No passado eu não tinha medo de nada,só de  
dor de amor mesmo.E foi pela dor de amor que eu passei a ter medo de  
tudo.não.Foi trauma.É pânico.Martelam lá fora,martelam de  
madrugada.eles têm autorização da prefeitura. A cidade está em obras.  
A cidade está na moda.Eu não.Só com a minha filha.Ela me vê e me  
beija.Ela aprendeu a beijar.Ela diz “eu tô com medo”,porque ela  
aprendeu numa historinha que a aranha era solitária,porque todos  
tinham medo dela,mas no final da história a aranha convida todos para  
uma festa na teia dela e ninguém mais fica com medo dela.Eu  
busco,"escaravalho",rascunho meus medos,desafio meus medos e quase  
morro de susto todos os dias...Vício?Só o álcool,mas já passou.Bala,se  
vier na minha direção,espero não ficar apática vendo a morte chegar.Se  
chegar,que eu vá com óbolos para pagar ao caronte,para fazer a  
travessia...que a minha alma viva mais um pouco...
Voltando.Começar voltando.Eu,o meu quarto branco.Uma cama,uma  
escrivaninha.Nem computador eu tinha. Pouca gente tinha.Eu, a minha  
cama, a escrivaninha,a cadeira,o armário. Eu e as coisas que eu tinha  
para fazer. E a minha família e os meus amigos. Leveza. Eu, a terra  
batida sob meus pés, a parte de baixo do biquíni,só. Uma bicicleta.  
Vento. Sal na pele. Calor. Liberdade.Amor e liberdade.Só.Não voltar de  
hoje até o dia do meu nascimento,ou do meu concebimento,mas ir até lá  
e de lá chegar até aqui,para reconhecer,para me conhecer,para resgatar  
algo que foi perdido pelo caminho.Nasci.
Eu,a minha mão no tapete da sala,pegando no sofá para ficar em  
pé,abandonada na praia embaixo de uma toalha.Pele branca,cabelos  
brancos. Eu nasci de cabelos brancos,quase albina,crescendo num sol de  
sal,num sol esturricante,branca de sal na pele,caminhava por salinas  
de água quente e fedor,meu pé afundava.nadava numa lagoa escura e o  
fundo dava medo...tinha medo de tubarão,mas na lagoa só tinha mesmo  
tainha.Tainha é considerado um peixe barato,um peixe fácil,a barata do  
mar...eu comia barata,eu cresci comendo barata...a barata do  
mar...quando a gente ia passear,passava por dentro de uma favela,via  
senhoras lavando roupa,nenéns pelados brincando no esgoto,para chegar  
à propriedade do Roberto Marinho,onde tinha uma praia bonita.Lá a  
gente podia esquiar pelado e brincar de lagoa azul...eu me imaginava a  
Brooke Shields beijando aquele menino embaixo d’água...lá tinham  
conchas ainda grudadas no seu respectivo par,conchas rosas  
bebê,grandes conchas rosa bebê,ainda grudadas no seu respectivo  
par.Tudo parecia germinar dali,o magma terrestre parecia vir dali,toda  
a concepção do mundo parecia vir dali,o mundo parecia ser só  
aquilo...o sal,o vento,a água no corpo,a areia,as conchas,uma mata  
abundante e uns cabritos soltos...uns bodes...o peito ainda sem a  
parte de cima do biquíni,o pé grosso de quem anda muito descalço...e  
as gaivotas que vinham dormir a noite sob às árvores da ilha e  
transformavam o verde da copa num imenso tapete  
branco,suspenso,suspenso...não imaginava ladrão,não imaginava nem a  
morte,mesmo convivendo com cadáveres de peixes à beira d’água...aquilo  
parecia tão natural,que não era questionado...ocupar-se de ações,como  
passar os dedos sobre alguma superfície lisa ou saltitar com as mãos  
num muro áspero,pedalar para atingir pequenos objetivos,subir e descer  
o morro.subir a ladeira carregando a bicicleta,para descer no  
embalo,ter medo de cair e cair,ter medo de cair e não cair,viciar.
Parece que eu pulei umas partes...
Pensei em beijo. Na paixão pelo primo. No sangue do primo, na ajuda,  
em ficar sozinha com ele, no topo do morro, pegar o tecido que  
envolvia a espuma do guidon da bicicleta para estancar o sangue dele.  
A vontade de beijá-lo, a bulinação na bicicleta...E depois quando a  
gente se reencontrou embaixo do piano e transou.
E hoje?Importa o hoje?Hoje tudo é difícil.Acordar,planejar-se,vestir a  
roupa,o sapato,arrumar a casa,a cabeça,comer bem,manter o  

otimismo,precisar,pular da cama diariamente,trabalhar,trabalhar...