Friday, January 20, 2006

Pra rebater a Barbárie

"Dinheiro Grátis " de Michel Melamed ( e Alessandra Colassanti - direção, Luiza Marcier - figurino, Lucas Marcier - trilha, Luciana Brites - movimento... ) - decorem estes nomes, esta gente é das boas...

Bom, começar pelo começo.
Michel é o melhor poeta carioca contemporâneo, na minha opinião. E é assim há muito tempo, nas ruas, na praia, nos bares, nos palcos, nos telefones ... ele sempre se dedicou a elas, às palavras, com muito respeito e alguns muitos resultados bem sucedidos. Sejam elas pensadas e repensadas, escritas e relidas ou faladas espontaneamente.
As faladas espontaneamente, ele foi pegando o jeito de usá-las com o tempo, principalmente na vida, e ainda, tenho certeza, vai melhorar muito no jogo" téte a téte", apesar de já estar bem quentinho no assunto.
Além do cotidiano social sincero, a televisão ( Michel tem um programa de entrevistas ) começou a tornar a prática da espontaneidade mais frequente, mas, apresentar o Cep 20 mil já tinha um "quê" de mestre de cerimônias, " respeitável público ".
E agora ele está lá ( acho que já saiu de cartaz, mas, espero que volte logo ), o mestre de cerimônias, meio ator, meio show man, meio menino inteligente, meio homem político sem papas na língua, meio "standup comedy man" e sobretudo, mais uma vez, um grande poeta, na Arena do Sesc - cada vez gosto mais daquele teatro - enfrentando os leões - de Copacabana, Ipanema, zona sul em geral, maioria classe média, talvez alguns milionários e miseráveis anônimos, mas, maioria classe média, como ele mesmo checa e confirma - com seu leilão de filosofias sobre o valor das coisas.
E ao contrário do que disse Bárbara - já já falo sobre isto - ele está sim, interagindo muito com seu público, que se diverte, e muito, dando opiniões e lances de dinheiro para/com ele.
Michel, vestindo uma jaqueta chiquérrima, passa o seu chapéu/cartola e depois o coloca no centro do palco, com um foco de luz, tornando-oa ( é umoa cartola chapéu linda ) personagem principal de seu teatro, pois está preenchidoa com a arrecadação que ele vai executando durante a peça.
OA é a nova vogal que ele lança. Peça de teatro que nada, ele inventou uma nova vogal! E não é assim que se escreve, mas, já , já veremo-oa inseridoa nos teclados de computador. É uma vogal unisex! Good!
Bom, então, a arrecadação de dinheiro que preenche oa cartola é de notas e moedas dadas pelo público durante a peça, por diversos motivos estimulados pelo poeta leiloeiro Michel, dinheiro este que em outros momentos é usado pra comprar este mesmo público, a fim de conseguir cenas improvisadas pelas figuras que achavam que estavam ali só pra ver.
Quanto ao que acontece com o dinheiro no final... só vendo... mas, é bom, na minha opinião.

Falando um pouco sobre o cenário/instalação, a platéia é composta não só de quem está lá no dia, mas, também de ampliações de fotos 3x4 de grandes figuras históricas, como Hitler, Jesus Cristo... Pedro Bial... o que faz com que nem nós, nem Michel, nos sintamos sozinhos nesta discussão sobre economia existencial.
E, de certa forma, coloca Michel no lugar de uma figura pública também... e , de certa forma, nos diz que todos nós, com nossas cabecinhas e idiossincrasias, somos importantes também. O que é ótimo como argumento... 15 minutos de fama, andy warhol e tal.

Olha só, eu sou fã, suspeita, e quem dera ser crítica neste momento, apesar de não querer este fardo de jeito nenhum - porque a maioria ( disse, maioria e não todos ) dos críticos é odiada, assim como a maioria dos políticos ( coisa que acho lastimável, porque se fossem pessoas honestas com vocação pra coisa, sem vaidades individuais, mas, com respeito à vida pública, e eticamente corretos, poderiam adquirir respeito e confiança da população... mas, acredito que um dia a gente chega lá... existem poucos - críticos e políticos - trabalhando pra tal, poucos, mas, existentes ) - e nem me achar intelectual suficiente pra querer uma coisa assim e até porque sou artista e portanto porto uma bandeira muito próxima do fazer, o que me torna quase uma advogada de defesa da criação artística, pra analisar qualquer trabalho de arte. Sou compreensiva com os processos, que eu prezo muito, e exagerada amante das artes cênicas. Se fosse pra ser crítica, acabaria caindo no gosto pessoal e isto não ia ser bom.
Mas, faço aqui uma corrente contra o que chamo de caretice conservadora.
Tô falando isto, porque dá vontade de ler pessoas de bom gosto falando sobre teatro nas páginas dos jornais cariocas ( estou por fora dos outros críticos do Brasil , vou até me informar mais, perdão ). Bom , aqui temos Macksen Luiz e Lionel Fischer, que me parecem mais sensíveis e congruentes, (mas, ainda assim, não tanto quanto o falecido Yan Michalski ) e Bárbara Heliodora. Sobre esta última, não sei o que se passa. Uma vez soube que ela entornava uma garrafa de whiskie a cada crítica que escrevia, mas, pouco importa seu método, desde que suas palavras tenham coerência, não estou aqui pra fazer o mesmo papel que ela, aos avessos, sendo crítica sem educação da própria crítica e especulando sobre sua vida e sobre os estímulos que a levam a escrever tal e tal coisa. Não quero fazer tal coisa, apesar de me achar no direito de ter uma certa leviandade no meio que estou usufruindo pra emitir as idéias.
Não consigo entender Bárbara gostar de " Regurgitofagia " ( primeiro espetáculo-solo de Michel) e não gostar de " Dinheiro Grátis ", o segundo é melhor que o primeiro, na minha opinião, claro, sou eu que estou escrevendo - mas, sei que outras pessoas andam se questionando sobre o valor de "Dinheiro Grátis", além de Bárbara, vou até pautar o assunto para a mesa do bar com quem está por dentro...
Não quero desconsiderar o texto de "Regurgitofagia", que eu adoro e acho que é a melhor coisa de tal espetáculo - quase uma apresentação das poesias de Michel ao grande público - e é um trabalho que levou pelo menos 10 anos pra ser feito, pelo que eu acompanhei, enquanto , "Dinheiro Grátis", foi feito mais rápido - Michel, Leca, me corrijam, se eu estiver errada. Mas, como exercício teatral " Dinheiro Grátis" é mais vivo e, tudo bem , as reações da platéia ( risos, murmúrios, palavras... ) não causam choques elétricos, literalmente falando, em Michel, como em "Regurgitofagia", mas, em " Dinheiro Grátis", a platéia participa ativamente muito mais do debate em torno do dinheiro e pensa mais sobre ativismo político, seja ele qual for.
Além de ter , em "Dinheiro Grátis", cenas em que Michel utiliza mais seu corpo ou relaxa no abstracionismo dos sons produzidos também pelo seu corpo, ilusoriamente ou não, - estou falando de uma cena específica em que Michel se diverte com os aparatos teatrais e acaba divertindo quem está vendo e ouvindo também - está mais seguro nos maneirismos de se falar determinada ou determinada coisa, acabando por estar mais irônico, mais ator, mais performer... além de poeta, coisa que ele já é.
Conclusão, "Dinheiro Grátis" é uma comédia divertida e inteligente, comédia que faz pensar também. Uma peça altamente recomendável.
Talvez eu tenha gostado mais da direção de Alessandra no segundo, da iluminação ( esqueci quem fez, mas, é muito boa e também irônica) e do figurino de Luiza também, mais em "Dinheiro Grátis" que no primeiro e, talvez goste igualmente dos textos das duas peças, mas como dar crédito a estes trabalhos é muito difícil, prefiro falar dos resultados de dois trabalhos em equipe que vi.
Teremos ainda o terceiro espetáculo, porque Michel que estes trabalhos são parte de uma trilogia. Eu acho uma pena ser uma trilogia, porque acredito que Michel vai continuar fazendo espetáculos assim e , acho, tomara, que vão ser mais de três, mas, isto só o futuro e o próprio Michel podem dizer.

E , continuando a filosofia superficial sobre as críticas de artes cênicas brasileiras. Por que os críticos de arte brasileiros não conseguem falar bem das coisas do início ao fim, por que não conseguem só elogiar, alguma vez? Existe a perfeição absoluta neste mundo que eles habitam? Bem, falo isto , porque li uma crítica no jornal francês " Le Monde " em que o sujeito - depois posto aqui o nome dele - falava bem de " Ensaio.Hamlet" do início ao fim da crítica e a sensação era maravilhosa. Ele gostou da peça e não teve medo de dizer isto.
Bom, só me passou pela cabeça este pensamento: será que brasileiro tem medo de emitir opinião, digo, anda com medo de levantar bandeira?
Não sei... tô jogando a questão no ar... e não tô falando só de crítico de artes cênicas não, tô falando de crítico em geral e de político e de cidadãos, tô me incluindo nisto também, porque tb sou brazuca. Estamos com medo de ter ideologia? Com medo de não sermos amados pelas nossas opiniões? Com culpa de ser o que somos e achar o que achamos? Com medo de sermos acusados de partidários, de protetores dos amigos pessoais, de mafiosos? ... Isto faz parte da contemporaneidade e pronto?.. me rebatam se eu estiver errada, por favor!

... Michel parece estar namorando alguma ideologia política ali - ainda tateando, poderia até ir mais fundo, porque é bom ver pessoas emitindo opiniões, mesmo que no dia seguinte elas digam o contrário - ... e até sacaneia o " em cima do muro" , mas, realiza ações de coragem no palco. Ele performa socialmente, portanto faz uma performance, no literal sentido de " performance ", ao, (não estou aguentando, vou falar), queimar dinheiro.

Eu sei que estou aqui generalizando assuntos. Sou a pessoa mais paradoxal que eu conheço. Estou aqui questionando a opinião de Bárbara, quando também questiono a não opinião.

Pelo menos ao dizer que não gosta de determinada coisa, uma pessoa cria a antítese que vai ser debatida com a tese a daí concluí-se que, gosto não se discute, se lamenta.

Meu namorado tem mania de fazer isto. Dá , às vezes, uma opinião contrária à unanimidade do contexto, só pra gerar debate. E acaba sendo engraçado.

E sobre a questão gosto e não gosto na crítica que é publicada no jornal. Fico muito confusa com a ética jornalística. O código dia que não é pra emitir opinião quando se escreve uma matéria jornalística, a não ser que seja uma crítica , que é a opinião da pessoa em si.

No entanto, sabemos que na história do jornalismo e da mídia , em geral, sempre existiram apoios... então, por que não assumir tal e tal postura... fica esta coisa, todo mundo sabe , mas, eticamente é crime... Vide história da Globo ter editado o debate entre Lula e Collor, fazendo Collor se sair melhor e ganhar as eleições, naquele ano.

Bom, enfim, voltando a "Dinheiro Grátis " , é pra rir e eu ri muito. Michel está em sua melhor forma artística - forma de verão carioca - e fazer uma peça por ano é coisa que acaba com a saúde de qualquer pessoa, mas, é tão bom que o artista passa por cima disto em prol da arte - e agora tem que parar esta temporada de " Dinheiro Grátis " porque vai pra NY fazer " Regurgitofagia ". Tá podendo o rapaz... quem insiste, consegue, e este, espero que continue conseguindo por longo tempo e que ganhe muito dinheiro , porque ele, com certeza vai usar o que ganhar de uma forma bem criativa e positiva pro nosso Brasil.

Valeu Michel! Valeu Leca! Valeu Luiza! Valeu Lucas!


O resto dos assuntos... jornal, ética... parece ser o tema da semana...

No comments:

Post a Comment